De costas para o rio...

Quero questionar-me, questionando-vos. Adoro a Paz real, aquela que brota sorrisos... Quero cantar sentimentos, desafiar os olhares do coração... Quero contar consigo, na parceria desta viagem... Por isso não quero ir para o mar, quero procurar as razões que dão amor... e, dele fazer um canto louco de alegria...

Nome:
Localização: Barreiro, Setubal, Portugal

sou alguém que é feliz...

segunda-feira, maio 05, 2008

MÃE


Mãe

Dum grito de dôr
nasci,
dum rosto feliz,
me afeiçoei,
dum peito providencial,
me alimentei!
Num colo quentinho,
me aconcheguei,
numa vida de amor
me eduquei!
E, hoje tantos anos,
depois da tua partida,
na solidão da ausência,
recordo-te submissa ao amor,
que davas, antes de receber,
porque deste sempre mais,
do que alguma vez recebeste.
A tua memória permanece,
forte e cintilante,
como gostavas de te mostrar,
para além das fraquezas,
a tua força dáva-nos quietude,
e a certeza,
do teu maravilhoso amparo.
Ainda te sinto por perto,
e por isso me acalmo,
sorrio,
porque sei que me olhas,
e como sempre me proteges.
Um beijo, Mãe,
sentido,
de felicidade,
porque foste minha Mãe...

Ricky

segunda-feira, abril 14, 2008

GRITO ALUCINANTE


Bem, como estou a reescrever memórias, quero hoje dar-vos um cheirinho, dum capítulo, e, portanto, do que um dia virá à tona...
Bom domingo,
Ricky


Macaaala, o grito alucinante


Quantas vezes, este grito anunciador do carvão me acordou, nas ruas da minha cidade, fizesse frio ou calor. Quantas vezes me pareceu que se assemelhava, a uma trova dum poema magoado? A mamana, com a lata do carvão à cabeça, com o filhote às costas, amarrado pela capulana, envolta à cintura, andando determinada e equilibrando forças, que nasciam sabe-se lá como. Hoje, quando recordo estas cenas da minha vida, dou comigo a meditar nesse pregão, feito grito, e consigo chegar ao âmago do sentido daquele drama. O tom magoado daquela voz intemporal, marcante, tem muito que se lhe diga. Carrega África às costas, a sua dor de parto, de quem um dia foi designada como Mãe-África explorada no seu ventre e nos seus filhos… Tem o choro das árvores, cuja combustão lhe dá o sustento, e ainda daquelas que alimentam a ganância e a destruição das florestas. Representa também o grito da madeira inerte dum qualquer móvel, espalhado pelo mundo civilizado, e extraído gratuitamente à floresta africana.
É um grito alucinante, que tantas vezes escutei, sem perceber como era possível gritar assim. São muitas vozes numa só, é um poema de dor que vi assim:


“Macááááála, senhora,
carvão fresco sem fumo”.
Grita, a plenos pulmões,
a vendedora dos seus sonhos,
resignada ao seu destino,
buscando alimento para os filhos.
Destino marcado e ritmado,
por um deus menor, sem amor,
criado e alimentado pelos homens,
no seu melhor “desplendor”!
Grito alucinante, sentido,
que ecoa no espaço e na alma,
e permanece na memória,
de quem alguma vez o escutou!
Ai África minha,
quem te amou alguma vez sabe,
o quanto és generosa,
mesmo para aqueles que,
sem nada te terem dado,
muito te tiraram do ventre!
Choro ainda por ti, minha África,
porque nem entre irmãos,
encontraste a verdadeira paz ,
e o teu grito alucinante,
ecoa de tal forma,
que mesmo longe o oiço,
bem claro, bem forte:
“Macáááááála senhora,
carvão fresco sem fumo
”.

terça-feira, setembro 25, 2007

Histórias da minha terra - 1ª parte -

O Arnaldo na cidade.


O Arnaldo veio ao mundo, praticamente no mato, na cantina alugada pelo pai, a cem quilómetros de Magude.. E, Magude a mais cento e quarenta de Lourenço Marques. Nascera na Maternidade da Missão a sete quilómetros de casa.
Aquele era o seu território, ali aprendera a andar, gatinhara com o seu gato “ladrão”, (nome e alcunha porque… tinha uma arte especial em roubar… na cozinha) correra com os cães estrada fora… Aprendera a subir às árvores com os seus amiguinhos negros, sobretudo o Fabião e o Malanguissa, que eram de facto uns tarzans de se lhe tirar o chapéu. Enfim, um mundo fascinante que as circunstâncias da vida e a própria natureza, lhe ofereciam… O seu pai, o senhor Faustino, era um homem interessante. Habituado ao mato, tinha nos moçambicanos os seus amigos, clientes, fornecedores de produtos da terra, que depois trocava por mantimentos diferentes, roupas, calçado, capulanas xonguilas, que faziam inveja às outras cantinas. Isso porque a mãe, dona Mariazinha, tinha muito bom gosto na escolha das capulanas, no fornecedor, em Xilunguine (Lourenço Marques).
A sua vida só era difícil, porque a mãe estava constantemente a ralhar-lhe, porque andava descalço, e insistia, de tal forma, que mal a mãe virava costas descalçava-se… Queria andar como os amigos, descalço… Foi preciso o saber do pai para resolver a contenda. Deu um par de sapatilhas a cada um dos amigos do filho, e assim todos andavam iguais…
E o Arnaldo foi crescendo, e desenvolvendo umas habilidades especiais. Era perito no jogo das covinhas, fazia fisgas como ninguém, com a sola dos sapatos velhos, ou dos pneus e com os elásticos das câmaras de ar das bicicletas… Ficavam uma perfeição… e tinha cá uma pontaria… Sabia assobiar como o melhor: imitava o xirico, a rola, a tutinegra, o gavião, o rabo de junco, e ainda os seus cães, o Tigre e o Leão, compreendiam-no só pelos assobios.
O tempo não para e… chegou o primeiro dia grande da sua vida, ia para a escola primária, para a missão. O padre Modesto tinha-lhe arranjado forma de fazer ali a escola até à quarta classe, supervisionada, pelo professor Rijo da escola de Magude.
Era muito aplicado e dava gosto vê-lo estudar. Só saía de casa após ter feito os deveres e ter estudado as lições. Quando passou a terceira classe, o patrão do pai ofereceu-lhe uma pressão de ar para ir à caça. Foi o bom e o bonito, ele e os seus companheiros fartaram-se de falhar… como era diferente da fisga, pensava ele. O tempo passou depressa e logo, logo, aí estava ele na quarta classe, feita com distinção e tudo, que levou o pai a sonhar com o continuar dos estudos. Inscreveu-se nos exames de admissão à Escola Industrial, e aí foi ele, para o Xilonguine, fazer o exame. Com toda a estranheza deste mundo, ali no meio daquela confusão, lá se equilibrou e… fez o exame escrito. Teve nota alta, que orgulhou a plateia, de sobremaneira, os pais, o padre, o professor Rijo, o enfermeiro Silva, a costureira sua mulher, todos estavam radiantes. Mas, maior vitória estaria para vir no exame oral, que era obrigatório. O examinador, apercebendo-se que se tratava dum aluno especial, muito sabedor das matérias, enveredou por um diálogo sobre a sua vida no mato. E, fascinado ouviu histórias sobre histórias, ao ponto do presidente do júri lamentar a interrupção, mas, havia que fazer mais exames.
Regressou a casa radiante, mas preocupado com a nova vida que teria de levar. Ainda não tinha começado, e já tinha saudades das suas mangueiras, das suas galinhas e dos seus pintos, dos patos, dos gansos, dos xiricos que cantavam alegremente nas árvores que a mãe tinha plantado no quintal, cujas sementes tinham vindo da metrópole, e que parecia que iam finalmente dar frutos… (pessegueiros e macieiras).
(continua)

sábado, dezembro 23, 2006

O Natal do Francisco






O Natal do Francisco

Com este frio, mesmo gélido que por aí tem andado, lembrei-me assim de repente, dos Natais em Moçambique, mesmo os que passei no meio do mato... Eram Natais quentes, pelo clima e pela assunção que fazíamos do significado do Natal. A minha Mãe, era sem dúvida a matriarca da família. Era ela quem mandava em tudo, preparava ao pormenor, o que se iria comer, e que prendas "poderíamos" ter... Lá em casa não havia Pai Natal, que só muito mais tarde vim a conhecer, noutras casas, noutros hábitos. Era o Menino Jesus, que dava aos Pais os brinquedos, que por cartinha fazíamos com a mamã e, que na manhã do dia de Natal recolhíamos no sapatinho... Estávamos na véspera, ao jantar, e o Francisco, o nosso cozinheiro, que tantas vezes me sentou nos seus joelhos, e me contou histórias da selva, (que rivalizavam com as dos Grimm ou com as fábulas do La Fontaine...) se veio despedir com um até amanhã... Eu, na minha ingenuidade disse em voz alta: O Francisco não tem Natal? Fez-se um silêncio tal, que se ouviriam as moscas ou mosquitos se ali os houvesse... A minha Mãe que, mais tarde, me confessaria ter acordado para uma realidade que, também ela tinha discordado sempre, mas que não praticava em todas as ocasiões, por descuido ou por deixar andar, como era suposto ser... Levantou-se da mesa, repartiu o que havia, para o Francisco ter ceia, e dispensou-o no dia seguinte. O meu Pai aquiesceu, sem falar, só com um olhar, que ele tinha sempre pronto... quando lhe convinha. Tenho a certeza que também ele, ficou com a voz embargada...
Pois, eram assim quentes os meus Natais, com a vivência do seu significado cristão, em vez do seu significado comercial... Foi assim o meu berço...
Um Bom e Santo Natal para todos, incluindo todos os Franciscos escondidos por esse mundo fora...
Ricky

segunda-feira, novembro 20, 2006

O teu corpo no meu


O teu corpo no meu

Abraçar o teu corpo sujo de areia
procurar nele a tua resposta,
interiorizar o teu sentir no meu,
esperar pela onda da madrugada,
a onda que tolda o teu olhar,
que te faz depender de mim,
mesmo por alguns momentos!
É bom ter-te, sentir o teu pulsar,
mesmo suja de areia,
lavar-te na espuma deste mar,
do mar dos meus sonhos...
Das realidades do meu passado,
oh vida, obrigado pelas dádivas,
destas memórias de amor!
Ricky

sexta-feira, novembro 03, 2006

Por ser verdade...

























Por ser verdade...

Tínhamos chegado àquela terra havia dois dias. Não conhecia ninguém da minha idade, sete anos, que eu dizia com autoridade, ensaiando uma maturidade que ansiava por ter... África linda, com os seus silêncios bem barulhentos, com aquelas mangas saborosas, arrancadas da árvores e descascadas com os dentes, e chupadas até parecerem um tear de linhas expostas... Era o que me valia, as aulas só começavam na semana seguinte, mas a época das mangas estava aí a marcar as nódoas nas camisas, o que sinceramente, irritava a minha mãe. Até que apareceu outro solitário, o Jorgito, soube depois, filho do senhor Tembe, um negrão alto e espadaúdo... O filho dava mostras de ir por aquele caminho. Olhámo-nos, cumprimentámo-nos e começámos com as fisgas, que ele tinha uma melhor técnica para as fazer, desde o pau cruzado à forma como segurava os elásticos, com elásticos mais finos, cortados, criteriosamente, duma câmara velha que havia por ali...
Aquela amizade ficou desde logo selada. Já era o meu maior amigo! Minha mãe espreitou-nos e ficou mais descansada porque nos defenderíamos um ao outro, daquelas cobras traiçoeiras que por ali circundavam, nas mangueiras e no capim alto à volta do quintal. Chegou a hora do lanche, e lá apareceu a minha mãe a gritar: "Meninos para o lanche..." O Jorgito exitou, e eu? Sosseguei-o vem nada receies. E ali estava os copos de leite com ovomaltine e os pães com manteiga. Se a amizade estava selada já, ali ficou soldada...
Os dias se passaram, e as cenas do lanche repetiam-se, tornaram-se normais. Pai Tembe veio agradecer a gentileza, e tudo ficou "devidamente" consolidado.
Em áfrica, penso que não só em Moçambique, era costume as senhoras "brancas" visitarem as que chegavam de novo ao local, para lhes oferecerem os seus préstimos e solidariedade pelo "isolamento civilizacional".
Naquela tarde minha mãe tinha uma visita dessas, mesmo na altura do lanche. Ainda ouvi o diálogo: "D. Maria a senhora permite que o "pretito" lanche com o seu filho?" A minha mãe, serenamente, com aquele olhar que eu tanto admirava, e ás vezes temia, retorquiu: "Não vejo isso, vejo o Jorgito e o meu filho, que vão frequentar a mesma escola e a mesma classe, vizinhos, e que brincando juntos, lancham juntos..." Já não me recordo como é que a tal dita senhora se desenvencilhou da resposta, mas lá que foi duro, foi...
A minha vida foi assim pautada pelos ensinamentos dos meus pais, e hoje quando vejo alguns barulhentos defenderem o não ao racismo, penso para comigo, que melhor do que gritar é praticar. Amigos pratiquem, pratiquem...
Hoje, quando tenho de responder à minha neta escuteira e catequista, às vezes recorro a estas histórias da minha vida, para ilustrar o que pretendo dizer. Perguntava-me ela "... Jesus disse para amarmo-nos uns aos outros como Ele nos amou, como é que eu faço avô? Contei-lhe esta história porque o que se passou entre mim e o Jorgito, não foi senão amor ao próximo, sem barreiras de qualquer espécie...
O Jorgito foi muito anos mais tarde ministro de Moçambique, e para além disso era um pintor que eu muito admirava... Espero que a tal senhora o tenha reconhecido mais tarde... era bem feito!
O quadro que reproduzi não é do Jorgito, mas é da terra...

Ricky

sexta-feira, outubro 27, 2006

O teu corpo no meu



O teu corpo no meu

Abraçar o teu corpo sujo de areia
procurar nele a tua resposta,
interiorizar o teu sentir no meu,
esperar pela onda da madrugada,
a onda que tolda o teu olhar,
que te faz depender de mim,
mesmo por alguns momentos!
É bom ter-te, sentir o teu pulsar,
mesmo suja de areia,
lavar-te na espuma deste mar,
do mar dos meus sonhos...
Das realidades do meu passado,
oh vida, obrigado pelas dádivas,
destas memórias de amor!

Ricky 06-05-1987