De costas para o rio...

Quero questionar-me, questionando-vos. Adoro a Paz real, aquela que brota sorrisos... Quero cantar sentimentos, desafiar os olhares do coração... Quero contar consigo, na parceria desta viagem... Por isso não quero ir para o mar, quero procurar as razões que dão amor... e, dele fazer um canto louco de alegria...

Nome:
Localização: Barreiro, Setubal, Portugal

sou alguém que é feliz...

sexta-feira, abril 21, 2006

Uma aventura no Bilene


Excertos do meu livro...
Introdução
Ao optar pela divulgação dete excerto, tive naturalmente que fazer adaptações, e espero sinceramente, que ao compreendê-lo, me perdoem alguns deslizes de enquadramento, sobretudo. Os nomes usados são fictícios, naqueles que podem melindrar, sei lá, mas o fundamental da história é verídica, isto é, não é ficção. Espero que gostem, estive adoentado com tosse, e embora esteja melhor ainda faço tratamento e acompanhamento médico. A todos os que se preocuparam pela minha saúde, os meus eternos agradecimentos. Vou iniciar as visitas aos vossos blogues, devagarinho.
As fotos, apresentam as duas partes do Bilene citadas na história e são obtidas através do meu querido amigo Roger, a quem agradeço desde já, a disponibilidade.

Uma aventura no Bilene

Deitei-me cêdo. Não estava com muito sono, mas estava exausto. Tinha arrumado tudo, e preparado exaustivamente a mala dos artifícios da pesca. De madrugada, partia para o Bilene, com os meus amigos e as perspectivas eram grandes: bom isco, boas canas, bons anzóis, empates em quantidade, amostras, enfim tudo.
Mas o sono não vinha, e enquanto isso se não resolveu, fui recapitulando tudo o que na véspera havia acontecido. Aquela cara não me saia da memória. Estava a resolver um “luto” de amor, uma perdida que o tempo começava a curar. A nossa curta conversa tinha sido animadora. A empatia que sentíamos era evidente. Era a rampa de lançamento, para mais altos voos... Mas aquela ideia da pesca vinha mesmo no momento errado... E, se por causa da pesca perdesse aquela oportunidade? Mas, com tudo combinado, que fazer? O dilema moía-me a cabeça e ... do sono nem vestígios. Cansado acabei por adormecer às tantas, sem chegar a uma conclusão. De manhã decidiria. O relógio tocou às quatro da manhã, e meia hora depois estava com todos os apetrechos de viagem e pesca, dentro do jipe do Alfredo. Deixei que o destino resolvesse o que não tinha tido coragem para fazer... mas aquela cara não me saía da cabeça... ela era linda mesmo! Todos notaram que eu não estava nem ali, mas fui dizendo que o sono me transformava num robot. O Carlitos não enguliu, ele que tinha topado a cena de véspera. A viagem foi monótona, Manhiça, Palmeira, Xinavane, Incoluane, Macia, e só quando a lagoa do Bilene se avistou majestosa como sempre, naquele nascer do sol tão mágico é que alguma excitação se manifestou na malta. O Necas, cioso do seu palmarés piscatório vaticinava nova vitória com dois marrecos, três garoupas crescidas (+ de três quilos) cinco ou seis sargos, e pelo menos um de areia (tubarão...).
Nem o frio da noite no lado de lá, no oceano o incomodava, tínhamos víveres para os três dias, que segunda era feriado... Chegámos ao Bilene e fomos ao Ferroviário procurar o barco para o carregarmos para a travessia e.. desespêro absoluto, o motor do barco estava avariado e, nada feito. Aguardámos pelo mecânico, não se podia fazer mais nada. Enquanto isso, umas banhocas, e apreciar os veraniantes que chegavam de tudo o que era lado. E, aquela carita que me não largava a memória. Já todos reparavam que estava na lua... Só não sabiam a razão daquela evasão.
Depois do primeiro banho, eram dez horas, o sol já aquecia, o mecânico ainda não tinha aparecido, tudo contribuia para o desconsolo, até que... oh fada do destino, ela apareceu-me ali defronte de mim em fato de banho, mais linda que nunca, e nem sequer olhei bem para os pais, eu fui logo ter com ela. Soube então que vinham passar aqueles dias no Bilene, e eu soube logo que a minha pesca estava condicionada. E assim foi, já não fui para o outro lado (mar aberto) e fiquei por favor, num quarto da casa dum amigo do meu Pai, no alto do Bilene, ao pé dos CTT. Aquela empatia estranha, porque muito forte, abriu-nos a oportunidade de galgarmos etapas. Passados minutos, estávamos convencidos que nos conhecíamos havia anos. Ela tinha uma amiga curiosa, porque era loura e ela sendo morena, faziam um contraste muito giro, e eu ali no meio das duas feito princípe ... com sorte! Não podia ser melhor, uma namorada, uma amiga para tapar a situação e... Bilene, querido Bilene, que fazes renascer das cinzas, um amor novo, mesmo depois do maior desgosto... Oh Colégio Barroso, que tão ditosas meninas acolhia, e eu ali tão perto no liceu. O príncipe com sorte, estava mesmo cheio de sorte, a Maria Emília e a Ivone passaram a ser, assim de repente, o centro das minhas atenções. Passámos a ter uma curiosidade enorme "pelo desenvolvimento" do Bilene, e nunca tomávamos banho na praia junto dos pais... Na primeira tarde, no parque Flôres, num momento mágico, que a amiga deixou, por necessidades fisiológicas repentinas, surgiu o nosso primeiro beijo, e foi fenomenal! Eu que já tinha prática, porque do namoro anterior, havia registado uma "longa experiência" de ... juro (!), pelo menos cinco beijos! Pois, era assim naqueles tempos, e eu era dos mais felizardos, e recordo que as surpresas foram enormes. Quando a noite caíu, junto às tendas do "camping" onde se encontravam, com mais três famílias, fui convidado a juntar-me ao grupo e jantar ali com eles. Uma senhora, que deduzi chamar-se Alzira, aproximou-se de mim, mas de uma forma denunciadora de alguma solidariedade. Fez-me perguntas e mais perguntas, sobre mim, sobre a família, os estudos, eu sei lá que mais... Mas fui aprovado, pelos vistos com distinção, pois tive logo convite para tomar as refeições todas com eles... só dormir é que não... Mas quem era aquela senhora benfazeja, e pelos vistos com tanta autoridade na família? Era uma tia, a D. Alzira, mulher de convicções, muito aberta, muito "pr'á frentex", para a altura, criticada em sussuro, que ela tinha argumentos para impor as suas ideias. Com aquela "cunha", eu era cada vez mais um príncipe com...sorte, consolidado! Foram dias de "wine and roses" como dizia a canção, que passava tantas vezes, quantas a tia Alzira queria, na voz do Eduardo Jaime, pois então! Foi um tempo de felicidade. A pesca? Nem me lembrava mais... Mas tudo o que é bom, também acaba, e eu vi chegar o fim daqueles dias. As despedidas foram sentidas, mas as promessas essas eram juras, juras de amor adolescente, mas vivo a começar a ser adulto. Desmancharam o acampamento e sairam depois do almoço. Eu fui para o "ferroviário", com a minha bagagem, e imaginem com as minhas canas de pesca... Ao fim da tarde, os meus camaradas chegaram, radiantes com uma pescaria paupérrima, mas com aventuras de peixes incríveis, que se soltaram dos anzóis, mesmo ali á beira praia... A viagem de regresso, foi de penoso cansaço para eles e de maravilhosos sonhos de amor para mim... Também, quem manda ir à pesca ao Bilene, no mar, quando no lado de cá havia tanta sereia linda...
As variadíssimas transformações na minha vida, surgiam-me na mente em catadupa. Por nada atendia, a conversa da malta. Eu estava "ocupado", a engendrar como haveria de fazer, para ir ao colégio Barroso, namorar com aquelas restrições todas. Das quatro às quatro e meia, na confusão da saída das externas, era a melhor hora para ir quase lá ao pé, saber dela, ou eventualmente encontrá-la. Namorar naquela época era complicado mesmo! Visto com olhos actuais, dava uma bela peça de humor... velho! Mas era assim, e como narrador de mim mesmo, devo à verdade, a própria verdade. Beijinhos? Não, nem vestígios...
Até que ao fim de dois dias apenas, quando nem afinadas estavam as manobras de aproximação, surge a notícia, assim de chofre: o pai tinha sido admitido no Monteiro & Giro, com um cargo de gestão importante e colocado em Mocuba! Ficaria ali, no Barroso até ao fim de Fevereiro, e seria transferida para Quelimane, para o colégio de NSConceição...
Fiquei, muito abalado, confesso, num ano tinham sido dois desgostos de amor colegial, sem que tivesse sequer tomado o gosto. Ai tia Alzira, tia Alzira, a nossa beneficente, lá arranjou uma saída e acompanhou-nos para uma despedida que ficou memorável: no Polana, ao som do I CINQUE DI ROMA. Aquelas melodias, aquele som, dois jovens, perdidos num ambiente de adultos, para adultos, de moralidade pintada em tela rota... Muitas juras fizémos... sem saber que nunca se cumpririam... aquela era mesmo a despedida. Ficava a vontade de escrever, de revelar sentimentos, genuinos, nobres, puros, que a nossa condição permitia que tivessem caracter de verdade, a única verdade que admitíamos... como era bom voltar a sentir essa dourada ingenuidade... E, foi assim que despertei para a escrita das emoções, para a poesia, porque nela encontrava a forma de lhe dizer o quanto era importante na minha vida. Até que um dia, todo este cenário se modificou, a minha menina apanhou uma tuberculose difícil e foi para a metrópole, Braga por sinal, tentar a cura com outros climas... Nem sequer soube da nova direcção... eu era apenas um peão ignorado naquela história, e nem a tia Alzira me valeu, porque nunca mais a vi.
Ficou uma certeza, a verdade do que senti, a beleza de tudo o que recordo, com aquele Bilene a dar o seu valioso contributo. Quarenta anos mais tarde, voltei a encontrá-la em Braga, funcionária dum banco, meramente por acaso, estava com a minha afilhada (a mais bonita do mundo) e quando me dirigi ao balcão, vi uma cara conhecida, que o meu coração assinalou! Ela sorriu, e disse-me com toda a simplicidade: "Olá Ricky, tens ido ao Bilene?" Era a nossa chave, isso mesmo, o Bilene, porque tinha sido importante mesmo. Soube depois que a tia Alzira tinha falecido, que era quase avó, mãe de dois filhos... E ficámos assim, a contemplarmo-nos durante uns minutos, deixando falar o silêncio... Depois, depois, regressámos à vida conscientes que o que tínhamos vivido, tinha mesmo valido a pena...