De costas para o rio...

Quero questionar-me, questionando-vos. Adoro a Paz real, aquela que brota sorrisos... Quero cantar sentimentos, desafiar os olhares do coração... Quero contar consigo, na parceria desta viagem... Por isso não quero ir para o mar, quero procurar as razões que dão amor... e, dele fazer um canto louco de alegria...

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Localização: Barreiro, Setubal, Portugal

sou alguém que é feliz...

terça-feira, setembro 25, 2007

Histórias da minha terra - 1ª parte -

O Arnaldo na cidade.


O Arnaldo veio ao mundo, praticamente no mato, na cantina alugada pelo pai, a cem quilómetros de Magude.. E, Magude a mais cento e quarenta de Lourenço Marques. Nascera na Maternidade da Missão a sete quilómetros de casa.
Aquele era o seu território, ali aprendera a andar, gatinhara com o seu gato “ladrão”, (nome e alcunha porque… tinha uma arte especial em roubar… na cozinha) correra com os cães estrada fora… Aprendera a subir às árvores com os seus amiguinhos negros, sobretudo o Fabião e o Malanguissa, que eram de facto uns tarzans de se lhe tirar o chapéu. Enfim, um mundo fascinante que as circunstâncias da vida e a própria natureza, lhe ofereciam… O seu pai, o senhor Faustino, era um homem interessante. Habituado ao mato, tinha nos moçambicanos os seus amigos, clientes, fornecedores de produtos da terra, que depois trocava por mantimentos diferentes, roupas, calçado, capulanas xonguilas, que faziam inveja às outras cantinas. Isso porque a mãe, dona Mariazinha, tinha muito bom gosto na escolha das capulanas, no fornecedor, em Xilunguine (Lourenço Marques).
A sua vida só era difícil, porque a mãe estava constantemente a ralhar-lhe, porque andava descalço, e insistia, de tal forma, que mal a mãe virava costas descalçava-se… Queria andar como os amigos, descalço… Foi preciso o saber do pai para resolver a contenda. Deu um par de sapatilhas a cada um dos amigos do filho, e assim todos andavam iguais…
E o Arnaldo foi crescendo, e desenvolvendo umas habilidades especiais. Era perito no jogo das covinhas, fazia fisgas como ninguém, com a sola dos sapatos velhos, ou dos pneus e com os elásticos das câmaras de ar das bicicletas… Ficavam uma perfeição… e tinha cá uma pontaria… Sabia assobiar como o melhor: imitava o xirico, a rola, a tutinegra, o gavião, o rabo de junco, e ainda os seus cães, o Tigre e o Leão, compreendiam-no só pelos assobios.
O tempo não para e… chegou o primeiro dia grande da sua vida, ia para a escola primária, para a missão. O padre Modesto tinha-lhe arranjado forma de fazer ali a escola até à quarta classe, supervisionada, pelo professor Rijo da escola de Magude.
Era muito aplicado e dava gosto vê-lo estudar. Só saía de casa após ter feito os deveres e ter estudado as lições. Quando passou a terceira classe, o patrão do pai ofereceu-lhe uma pressão de ar para ir à caça. Foi o bom e o bonito, ele e os seus companheiros fartaram-se de falhar… como era diferente da fisga, pensava ele. O tempo passou depressa e logo, logo, aí estava ele na quarta classe, feita com distinção e tudo, que levou o pai a sonhar com o continuar dos estudos. Inscreveu-se nos exames de admissão à Escola Industrial, e aí foi ele, para o Xilonguine, fazer o exame. Com toda a estranheza deste mundo, ali no meio daquela confusão, lá se equilibrou e… fez o exame escrito. Teve nota alta, que orgulhou a plateia, de sobremaneira, os pais, o padre, o professor Rijo, o enfermeiro Silva, a costureira sua mulher, todos estavam radiantes. Mas, maior vitória estaria para vir no exame oral, que era obrigatório. O examinador, apercebendo-se que se tratava dum aluno especial, muito sabedor das matérias, enveredou por um diálogo sobre a sua vida no mato. E, fascinado ouviu histórias sobre histórias, ao ponto do presidente do júri lamentar a interrupção, mas, havia que fazer mais exames.
Regressou a casa radiante, mas preocupado com a nova vida que teria de levar. Ainda não tinha começado, e já tinha saudades das suas mangueiras, das suas galinhas e dos seus pintos, dos patos, dos gansos, dos xiricos que cantavam alegremente nas árvores que a mãe tinha plantado no quintal, cujas sementes tinham vindo da metrópole, e que parecia que iam finalmente dar frutos… (pessegueiros e macieiras).
(continua)