De costas para o rio...

Quero questionar-me, questionando-vos. Adoro a Paz real, aquela que brota sorrisos... Quero cantar sentimentos, desafiar os olhares do coração... Quero contar consigo, na parceria desta viagem... Por isso não quero ir para o mar, quero procurar as razões que dão amor... e, dele fazer um canto louco de alegria...

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Localização: Barreiro, Setubal, Portugal

sou alguém que é feliz...

segunda-feira, abril 14, 2008

GRITO ALUCINANTE


Bem, como estou a reescrever memórias, quero hoje dar-vos um cheirinho, dum capítulo, e, portanto, do que um dia virá à tona...
Bom domingo,
Ricky


Macaaala, o grito alucinante


Quantas vezes, este grito anunciador do carvão me acordou, nas ruas da minha cidade, fizesse frio ou calor. Quantas vezes me pareceu que se assemelhava, a uma trova dum poema magoado? A mamana, com a lata do carvão à cabeça, com o filhote às costas, amarrado pela capulana, envolta à cintura, andando determinada e equilibrando forças, que nasciam sabe-se lá como. Hoje, quando recordo estas cenas da minha vida, dou comigo a meditar nesse pregão, feito grito, e consigo chegar ao âmago do sentido daquele drama. O tom magoado daquela voz intemporal, marcante, tem muito que se lhe diga. Carrega África às costas, a sua dor de parto, de quem um dia foi designada como Mãe-África explorada no seu ventre e nos seus filhos… Tem o choro das árvores, cuja combustão lhe dá o sustento, e ainda daquelas que alimentam a ganância e a destruição das florestas. Representa também o grito da madeira inerte dum qualquer móvel, espalhado pelo mundo civilizado, e extraído gratuitamente à floresta africana.
É um grito alucinante, que tantas vezes escutei, sem perceber como era possível gritar assim. São muitas vozes numa só, é um poema de dor que vi assim:


“Macááááála, senhora,
carvão fresco sem fumo”.
Grita, a plenos pulmões,
a vendedora dos seus sonhos,
resignada ao seu destino,
buscando alimento para os filhos.
Destino marcado e ritmado,
por um deus menor, sem amor,
criado e alimentado pelos homens,
no seu melhor “desplendor”!
Grito alucinante, sentido,
que ecoa no espaço e na alma,
e permanece na memória,
de quem alguma vez o escutou!
Ai África minha,
quem te amou alguma vez sabe,
o quanto és generosa,
mesmo para aqueles que,
sem nada te terem dado,
muito te tiraram do ventre!
Choro ainda por ti, minha África,
porque nem entre irmãos,
encontraste a verdadeira paz ,
e o teu grito alucinante,
ecoa de tal forma,
que mesmo longe o oiço,
bem claro, bem forte:
“Macáááááála senhora,
carvão fresco sem fumo
”.