De costas para o rio...

Quero questionar-me, questionando-vos. Adoro a Paz real, aquela que brota sorrisos... Quero cantar sentimentos, desafiar os olhares do coração... Quero contar consigo, na parceria desta viagem... Por isso não quero ir para o mar, quero procurar as razões que dão amor... e, dele fazer um canto louco de alegria...

Nome:
Localização: Barreiro, Setubal, Portugal

sou alguém que é feliz...

domingo, fevereiro 26, 2006

MANGA VERDE

Outro pedido que me fizeram, para repetição, e neste intervalo das Crónicas, aqui satisfaço.

Manga Verde

Todos os que, tiveram contactos com mangueiras, sabem que a manga verde, pode até ser apreciada, com sal e até, com piripiri, numa confecção indiana, que se chama "achar de manga". Todavia, simples até é ácida e amarga, por vezes. Intragável, quase... Esta história verídica, (aia,ai a autobiografia...), começa num balcão dum banco, numa operação bancária tão simples. Uma senhora, já avó como eu, em substituição duma colega em férias, (coincidência...), atendeu-me e olhou-me fixamente, deixando transparecer, sem nada me dizer, que me conhecia... Eu, por mim, apenas me parecia que conhecia aquela cara de qualquer lado... Quando a senhora teve de analisar o meu BI, olhou-me, agora, segura do que iria dizer exclamou: " A manga era bonita e saborosa?" Como um raio, à velocidade da luz, na minha memória uma velha história apareceu, bem clara. Retorqui de imediato: " Linda, rosada, grande, docíssima... " Sorriu, conversámos... trocámos informações, mostrámos fotos dos netos... mas a história não termina aqui. Tinha mentido, e eu não estava a gostar disso. A manga tinha sido por mim arremessada, por raiva... Neste "poema" vos conto o resto. Pedi-lhe desculpa ao telefone, e li-lhe o poema. Cairam-lhe lágrimas mas ficou feliz. Partilho esta memória convosco, aqui, onde me fotografo, para me conhecerem...
Manga verde
Depois das aulas te mirava,
debaixo daquela mangueira frondosa,
teus cabelos soltos ao vento,
da côr da terra aqueles caracóis,
Era a entrada do paraíso,
do sítio das brincadeiras,
depois dos deveres da escola.
Eu acelerava a cópia, as contas,
e tudo o mais,
para te esperar,ali,
naquele lugar, só nosso...
De caracóis ou de tranças,
com laços côr de mel,
os nossos olhos tanto falaram,
tanta jura fizeram, naquele lugar.
E, daquela flôr da mangueira,
tão prenha de tantas mangas,
escolhemos a maior como nossa,
aquela que comeríamos juntos,
o nosso sêlo da jura de amor!
Todos os dias a olhávamos,
à espera que crescesse,
para o dia da consagração!
Quis a vida que abalasses,
mais a família, para outro lugar,
bem distante daquele sítio lindo...
Zangado com o nosso destino,
arranquei a manga verde,
daquela flôr por nós escolhida
..............................................................
Já Avó, perguntaste-me,
com os olhinhos inquietos,
se a manga tinha sido rosada,
se tinha sido bem gostosa?
Menti, disse-te que sim,
mas ainda sinto forte nostalgia:
oh manga verde, manga verde,
porque não amadureceste para mim?
Ricky 30.03.2005

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

NO TEU POEMA

Pintura de Thomas Kincaid

NOTA: Tenho vindo a receber pedidos para a repetição deste poema. Foi feito, ao correr da pena numa altura que se inscrevia, numa situação pessoal que o brotou para o mundo. Foi por isso sentido, todo ele transpira emoção sentida...

No teu poema

No teu poema,
sou o amor interrompido,
sou a amargura da despedida,
sou a figura da saudade!

No teu poema,
sou a nostalgia da noite,
sou o teu motivo de insónia,
sou a ansiedade redobrada!

No teu poema,
sou a tua vida renovada,
sou o teu grito de revolta,
sou a esperança da esperança!

No teu poema,
sou o teu pesadelo quebrado,
sou o regresso da tua luz,
sou o teu sorriso da manhã!

No teu poema,
sou o teu sol brilhante,
sou o fim da tua história,
sou finalmente eu, amor!

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

CRÓNICAS III

A Festa da Missão de Santa Quitéria


Os dias passavam em beleza, porque os contactos com a natureza, são sempre bem curtinhos, ou o tempo passa sem que o notemos, não obstante ser uma vida calma... Não há mistérios, é uma vida em oposição à do citadino.
A data da festa de Santa Quitéria aproximava-se, e em cada casa sentia-se isso mesmo. O Senhor Bispo vinha àquelas terras do mato Crismar umas dezenas de crianças. As senhoras estavam já a preparar, a sua dádiva de amor, à celebração daquela festa, que se realizava anualmente. Eram os bolos, os pudins, os arroz dôce, as geleias, os potes de doces de papaia ou de tomate (que delícia), depois as carnes, as “bôlas”... enfim, de criar uma nascente em cada boca.
Mas o que é uma Missão? A foto, porque não tinha a real, é de uma Missão algures em Moçambique, o que para este caso, nem é importante. Conviria ilustrar a extraordinária importância, das missões Católicas em Moçambique (as que eu conheço, mas penso que serão todas mais ou menos assim, em qualquer parte do mundo.). Para além da sua acção Evangelizadora, missão primeira, a acção de comunhão com as populações, vivendo em conjunto e partilhando saberes, na construção da sociedade, rumo ao futuro. As acções são múltiplas, desde a escola primária, onde eram (são) ensinadas as matérias que todos conhecemos, com uma suplementar, o ensino da língua portuguesa. E, os professores aprendiam primeiro a falar a língua local, para melhor se fazerem entender no início. O meu Pai, por exemplo falava (fala) e escrevia correctamente o Ronga e o Changane, cujas diferenças são muito pequenas. A miudagem feminina tinha aulas de valorização profissional, ou se se quizer formação feminina, com as Freiras, costuras, bordagens, culinária, gestão familiar, enfermagem, (parteiras) entre outras. Os rapazes eram encaminhados, para uma formação profissional, que visava preencher as necessidades da sociedade local. A carpintaria, o aprendizado de pedreiro (no sentido de construtor), o mecânico, o electricista, o agricultor (onde aprendiam a condução de um tractor), ou enfermagem. Numas Missões as particularidades eram estas, mas pode-se definir como geral a panorâmica aqui focada. Espero não estar a esquecer-me de nenhuma essencial. Mas, percebe-se bem a importância das missões católicas em Moçambique, o seu reflexo na evolução do País, a formação que pacientemente ao longo dos anos foi dada, com amôr e dedicação. Pena que a história, repito, passe ao lado destas acções que tantos, e tão bons frutos geraram, que não sejam divulgadas e reconhecidas de forma pública. Um Padre Silva, um Padre Modesto (que me casou), e tantos colegas que vi dedicarem-se de corpo e alma a estas obras, com um entusiasmo que não consigo definir por palavras. Que seria da vida naquelas paragens sem estas missões? Difícil... muito!
Estas descrições têm também o mérito, penso, de criar para vós o ambiente, que envolvia esta festa, com a visita de entidades civis e do Senhor Bispo. Todos queriam mostrar como ia a missão, e por isso se esforçavam em torná-la mais bonita e atraente com paredes pintadas de fresco (cal), ruas com enfeites de papel, os ensaios dos cânticos aprimorados. E que vozes ali se escutavam, no clamor a Deus em tons que só os negros possuiem, num verdadeiro “Godspel” de primeira água.
O dia finalmente chegou, embalámos as comidas, ainda não eram seis da manhã, porque queríamos chegar a tempo de nada perder da festa religiosa e social. Mas, não éramos só nós, o professor e o chefe de posto, também já estavam prontos e partimos em comboio. O nascer do sol colheu-nos logo no caminho, e como sempre um espectáculo fantástico. Quando lá chegámos, cada um foi-se oferecer para uma ajuda de última hora, sempre benvinda em todas as ocasiões, porque a azáfama era muito grande. Mas havia ajuda de todos além de que a Missão de Magude havia mandado reforços habilitados. De cantineiros a agricultores, criadores de gado, todo o mundo participava, doando coisas ou dando trabalho. A festa afinal era de todos. Hoje, à distância do tempo e do lugar, não posso deixar de me manifestar com saudade perante aquela solidariedade humana, séria, capaz de ultrapassar tudo, raças, proveniências, culturas, tudo! Ali não havia barreiras! Olho ao meu redor e entristeço-me! Profundamente. À medida que o tempo passava, a adrenalina subia, a ansiedade pela hora da chegada do Senhor Bispo, do senhor Administrador, e toda a caravana, era cada vez mais intensa. Com palmas e cânticos, como só em áfrica genuinamente se escutam, os anfitriões foram finalmente recebidos. Depois duma curta espera para descanso da viagem, eram onze horas, a Missa começou. Todo o cerimonial duma Missa solene já de si é marcante e vivida com uma disposição bem abrangente, então acrescente-lhe o Crisma daquelas dezenas de crianças vestidas de branco, tão inquietas quanto desejosas de viver aqueles momentos. Olhei-me como citadino, e senti-me pequenino. Ali, no meio do mato, Deus manifestava-Se com uma auréloa de glória que nos tocou a todos. Já tarde, cerca das duas horas, começou finalmente o almoço, sem lugares preveligiados, a não ser de alguns glutões que se dirigiram a locais “estratégicos” mas, disso, não falarei, como é obvio. Toda a gente conviveu e partilhou experiências, que não mais esquecerá, estou certo. Assistimos à despedida das entidades, com um recital de cânticos em tom africano forte. Será que Mozart alguma vez imaginou este tom?
Regressámos felizes por têr vivido mais um dia cheio e gratificante.
Por último a minha homenagem a todos os que ao longo dos tempos deram o seu melhor nestas missões ou noutras com o espírito proclamado no Evangelho, ou seja, de irmão para irmão. Assim, simples.
Obrigado!
(Continua...)