De costas para o rio...

Quero questionar-me, questionando-vos. Adoro a Paz real, aquela que brota sorrisos... Quero cantar sentimentos, desafiar os olhares do coração... Quero contar consigo, na parceria desta viagem... Por isso não quero ir para o mar, quero procurar as razões que dão amor... e, dele fazer um canto louco de alegria...

Nome:
Localização: Barreiro, Setubal, Portugal

sou alguém que é feliz...

terça-feira, outubro 11, 2005

Histórias da minha vida...

Ao longo dum tempo já "crescidote", cerca de três anos, que me atrevo a escrever, em sites de amigos, memórias da minha vida em Moçambique. São relatos, mais ou menos conseguidos, que pretendem, sem fastios desencorajadores, para quem lê, realçar duas coisas importantes para mim. Reviver a história, e afirmar o quanto amei aquela terra, e aquele Povo maravilhoso, que me viram nascer. As memórias estão já desenhadas para serem parte dum livro(?), pelo menos, alguma coragem já grangeei para poder pensar nisso... Hoje trago-vos uns excertos, de vida no mato, no centro de Moçambique, onde consegui em tão pouco tempo, atingir níveis de apego e felicidade, como se calhar em mais nenhum outro pedaço da minha vida. Foram experiências novas, determinantes para que a minha formação de "moçambicano", se fizesse com autenticidade africana. Qualquer coisa distante do citadino, africano sim, mas citadino, longe do pulsar da vida africana, da vida no mato. Feita a apresentação, aí vai a minha primeira mostra, do meu futuro (?) livro. Quem sabe? Entre poemas e memórias alguma coisa hei-de produzir. Tenho dois filhos, dois netos, em vésperas de mais dois (duas?), gémeos, já plantei muitas árvores, já fiz poemas, falta o livro... Espero que gostem.


Memórias da minha infância- Charre-I

Regressávamos de férias graciosas, de Portugal, com a família Peixe, ( da Fazenda de Inhambane) nossos companheiros de férias e viagem, no paquete Pátria. Tinha oito anos, e se havíamos ido, partindo da Manhiça, agora regressávamos a ... uma terra, que o meu Pai iria saber onde ficava, na Repartição de Veterinária. Soubémos depois que havia sido colocado no Charre (?!). Claro que procurando especificar mais, saberíamos depois que ficava perto de D.Ana, e de Mutarara, na margem norte do rio Zambeze, junto à ponte ferroviária maior de áfrica (na altura, dizia-se...). Fazendo base na Beira, lá começámos a preparar tudo para esta nova aventura. De comboio, dirigímo-nos de bagagens e algumas peças de mobílias pessoais, para o destino que nos estava traçado. O Charre era uma povoação "importante" com umas cantinas e três casas , a nossa, a do Sr. Gil, funcionário da Alfândega, (tinha uma corrente simbólica junto à casa para "fingir" que era ali a fronteira), e a do importante criador de gado, senhor Ivo da Silva, velhote reformado, e seu filho, que havia sido comandante da canhoneira do Zambeze, que fazia carreira do Chinde para Tete. Meu Deus, mesmo no interior e... numa parte de Moçambique que não conhecíamos... A minha irmã, à beira dos dezasseis anos, que tortura... mas, nem tudo era assim tão mau... logo, logo, fomos para o Charre, e verificámos que tínhamos em frente, a serra da Murrombala, lindíssima, com a sua coroa (nuvens) de majestade, sempre posta e sempre esplendorosa. O sr. Gil era uma pessoa fantástica, os Ivos , pai e filho, duma simpatia e urbanidade especiais. Ele, o velhote era um contador de histórias de se tirar o chapéu, tudo à volta das suas inesquecíveis e históricas viagens de barco, que como oficial comandante, tinha um papel relevante... Depressa nos acomodámos e, em férias escolares, queríamos conhecer mais e mais dali. Comecei por estranhar os muros altos de cimento e pedra, dois metros e meio, mas depressa, depressinha iria saber para que serviam... A casa, rodeada de árvores de grande porte e de algumas mangueiras, bem docinhas, que ainda hoje me deixam de água na boca, e de romanzeiras que faziam as delícias da minha irmã. Entretanto, arranjei logo uns amigos da zona, moçambicanos, e ràpidamente fizemos sólida amizade. Uma das actividades que logo aprendi, foi pescar, num afluente do Zambeze que provinha da Morrumbala e passava ali mesmo junto a nós. Com enseadas de água baixa, e muito canavial, era ali que pescávamos, munidos de canas cortadas à medida, fio de pesca comprado na cantina, e boias feitas de rolhas de cortiça. Depois era a habilidade em tirar o peixe da água, com esticão rápido quando a rolha dava sinal... O isco era a minhoca que nós arranjávamos rasgando o terreno junto ao rio. Mas tínhamos de estar alertas para os "coaches", lagartos de dois metros, língua comprida que tinham medo de nós, mas afoitavam-se por vezes. Era um consolo vê-los porque era sinal que os jacarés andavam longe...
Aos fins de semana, íamos a Mutarara, a casa dum primo nosso, revisor de material dos CFB, e íamos ao Clube Ferroviário, onde aprendi a beber a Spur Cola, que vinha da Rodésia, ali ao pé de nós, de Blantyre. Jogava-se lá, ténis e futebol, para além dos bailaricos, e jogatanas de cartas, que eu não podia assistir porque não tinha idade... Vinham pessoas das redondezas, do quartel, que ficava situado junto a D.Ana. Foi um pedaço da minha vida, que me marcou bastante, onde aconteceram factos que relatarei a seguir, que me ajudaram, e de que maneira, a amar aquele Moçambique tão desconhecido dos citadinos...


Memórias da minha infância - Charre II
Leões, e não só... I parte


A táctica do leão...Ele urra e elas trabalham...

Eu diria mais,tão desconhecido dos geitos das terras do interior sul... Os muros altos que circundavam o quintal, faziam-me cá uma curiosidade enorme, mas julgando que era "normal" calei-me, e nada perguntei. Iria sabê-lo de forma dramática. Numa das noites seguintes à minha chegada ao Charre, estava eu no meu quarto, a dormir profundamente, ouvi um som aterrador que jamais esquecerei! Um leão urrou mesmo debaixo da minha janela! Não sei porquê, disseram-me mais tarde que tal ousadia não era habitual, nem se lembravam de tal ter acontecido alguma vez, e se calhar havia um motivo: lá em casa somos todos do Benfica... O leão ficou junto da janela, enquanto as leoas saltaram o muro do quintal, e levaram com elas dois cabritos, que o meu pai havia comprado há dois dias. Assim, mesmo, sem tirar nem pôr. Dentro de casa, o pânico, era generalizado, que fazer? Ninguém tinha o hábito, de aturar leões àquela hora, sobretudo leões verdadeiros de juba e tudo... Mas, quando o meu pai agarrou a espingarda, uma calibre doze (!?), que só servia para assustar, com o barulho e pouco mais... os leões já haviam dado o golpe de mão, de pata quero eu dizer... o urrar já era mais perto da serra do Murrumbala... Que experiência mais engraçada, para contar aos vindouros, sem a particularidade de "particularizar" aquele susto e meducho tremendo... de tremer mesmo!

Um leão com um "burro às costas"...

A segunda experiência leonina, deu-se numa visita nocturna ao quartel. Estávamos a prepararmo-nos para regressar a casa, aí pelas nove e meia da noite, depois dum jantar de truz, na messe de oficiais e sargentos. Ouviu-se um estardalhaço enorme, uma algazarra e gritos de leão, leão! O que tinha acontecido? Simples, um leão velho, cheio de fome "ousou" saltar o muro do quartel, filar um dos burros usados, para ir buscar água ao Zambeze, e voltou a saltar com ele filado, para o lado de fora... Vejam a força... se o Sporting sabe... Planificou-se logo uma caçada ao leão, que essa desfeita aos militares iria ficar cara. Claro que participei, caladinho, no "jipe" Willis da veterinária, mais a minha mãe e irmã, com um oficial de guarda costas, para o que desse e viesse. Procurou-se por todo o lado, com focos de longo alcance, alimentados por baterias, percorreram-se os caminhos todos à volta, e nada! Entre a estação de Mutarara e o quartel, nada! Não podia estar longe, dizia-se à boca cheia, um leão velho, solitário, com um burro "às costas" não podia estar de facto longe! Às duas da manhã desistimos, a "derrota por nove a zero" era um facto, viva o Sporting! No dia seguinte o mistério desfez-se. O leão transportou o burro, para debaixo duma ponte, pertinho da estação, na linha para o Malawi, depois do cruzamento com a de Tete, e ali paulatinamente comeu o que lhe apeteceu! E, nós que estivemos em cima da ponte, com algazarra e tudo! Ah leão, que até se terá rido e tudo!

Porco, em vez de vaca, e uma patada de leão...

A terceira história dum leão, que enriqueceu a minha experiência de vida, dá-se no Charre, na aldeia indígena (como se dizia, então...) onde um leão velho roubava comida, e punha aquela gente em pânico... Havia que fazer alguma coisa. O Ivo da Silva, planificou uma espera. Tudo na aldeia estava preparado, para o leão entrar e seguir para o centro, onde se tinha posto carne crua (uma perna de vaca). O corredor era claro, só por ali se poderia prever que ele entrasse. Todo o mundo estava armado de varapaus e latas para fazer barulho, e as armas de fogo, Ivo da Silva e Gil, no fim da sequência normal do circuito. Só por ali poderia passar... Bom, o leão veio, entrou por outro lado, apanhou um porco no curral, e aí, descoberto, todos correram para lá, desordenadamente, o que evitou os tiros para não haver acidentes. À passagem pelo cordão humano o leão, não usou de garras (senão teria inexoravelmente morto a pessoa) pôs apenas a pata em frente, no peito do homem que tinha à sua frente, como a dizer "deixa-me passar", e foi... O homem ficou com quatro costelas partidas, mas sobreviveu... (continua)...










10 Comments:

Blogger vero said...

Olá Ricky, obrigada pela visita... pois é, eu é k me quero evadir...mas é uma evasão para um lindo amor que estou a viver... nada de mais belo, nao achas? Um amor difícil ainda com muitos obstáculos pelo caminho, mas mesmo assim um lindo amor...:)
Beijinhos***

3:15 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Caro Ricky
Também eu vivi no que se convencionou chamar mato. As tuas estórias, apesar de muito diferentes, são iguais às minhas. Ao ler-te recordo a minha infância no Mutuali (no norte, entre Malema e Cuamba), os meus Amigos, as brincadeiras, as frutas (manga, caju, banana maçã, maçanitas...), os cheiros, a passagem do comboio, as rãs e os lacraus, o espinho no pé, a ardósia, a Serra da Cucuteia, ... sei lá mais!...
Obrigado por estas tuas/minhas/nossas vivências.
Um abraço
Makonde

6:19 da tarde  
Blogger Isabel Filipe said...

Oi Ricky...

Muitas das tuas histórias, tenho o provilégio de poder dizer que já as conheço... esta é uma delas... acho uma boa ideia trazê-las aqui para o teu Blog...

Beijo amigo

10:27 da manhã  
Blogger Isabel Filipe said...

cadê a continuação?????

bjs

11:52 da manhã  
Blogger Al said...

Oi Ricky,
Ler este princípio do livro que aí vem, fez-me, igualmente reviver os bons tempos, os melhores, porventura, da minha vida, passados em outros matos, nos de Angola onde nasci.
Ler-te, é voltar a sentir o cheiro da terra vermelha, saborear o gosto doce dos maboques, das múcuas... Africa nossa, por onde ficaste que te perdi o caminho.
Um grande abraço

12:46 da tarde  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Olá Ricky,


Histórias de África admiro quem as conta. E o que li aqui tem as cores... os cheiros e os sons de África.

Parabéns da forma como escreves, Fico à espera do final!

Beijinhos

4:22 da tarde  
Blogger Manel do Montado said...

Ai a Spur cola e a Canada Dry, esta fabricada na Namaacha. Adorei a história e espero continuação, aliás "exijo" que nos conte mais, em favor de uma África que muita gente desconhece. Não nasci em Moçambique, mas pouca gente sabe do amor que lhe tenho. Foi lá o meu primeiro amor… enfim. As gentes eram mais francas, mais abertas à entreajuda. Vou lá voltar um dia e a história do meu primeiro amor há-de ser contada no meu cantinho.
Obrigado pela visita ao meu Montado e volte sempre. Sou um homem de espaços largos, Alentejo e África, o que eu agradeço a Deus de me ter permitido usufruir de ambos.
Um abraço sincero e venham mais histórias, por favor!

5:27 da tarde  
Blogger António said...

Obrigado pela visita ao meu canto.
Volta sempre.

Desculpa, mas agora não li o texto que escreveste.
Procurarei fazê-lo noutra ocasião.
Com calma!

Abraço

11:09 da tarde  
Blogger Luisa Hingá said...

Meu comandante já foi ao blog do Victor Cabral?

Continue que eu quero ler

11:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Foram as vivências como asa que aqui tão bem revives que nos moldaram a vida e que nos marcaram com o ferro da Saudade.
Parabéns pelo que escreves e pela forma pitoresca com que o fazes.
Um abraço,

Branquinho

12:30 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home