De costas para o rio...

Quero questionar-me, questionando-vos. Adoro a Paz real, aquela que brota sorrisos... Quero cantar sentimentos, desafiar os olhares do coração... Quero contar consigo, na parceria desta viagem... Por isso não quero ir para o mar, quero procurar as razões que dão amor... e, dele fazer um canto louco de alegria...

Nome:
Localização: Barreiro, Setubal, Portugal

sou alguém que é feliz...

sábado, janeiro 21, 2006

Crónicas de Férias


Prólogo

Estava dividido, entre as férias que iriam começar, no mato, e a saudade das aulas, mais pròpriamente dos colegas (delas sobretudo...). Tinha tido boas notas, que me davam um bom ambiente familiar. Comecei por me entusiasmar, recordando as caçadas, os passeios naquelas estradas difíceis, ou na oportunidade de guiar sem polícias por perto, pois tinha apenas dezassete anitos. Na saudade das comidas da minha mãe, ali, todos os dias, nos mimos dos seus doces, no encanto da forma de me acordar todas as manhãs, com o banho pronto, e torradas na mesa, com o café com leite a fumegar... Balançando entre as matinées, de mão na mão com a menina, e a animação dos colegas, as futeboladas extra campeonato, os bailes dos clubes, na Casa das Beiras, nos Velhos Colonos, nos Naturais, no Grémio... De facto o meu coração não sabia o que queria. Todavia, venceu a áfrica desconhecida dos citadinos, aquela áfrica misteriosa, que fala aos corações, até nos seus silêncios. Menos pelos tiros nas caçadas, parcos, que o meu pai vigiava por perto, ele que era um exigente defensor da fauna africana. “Deformação profissional”, que eu respeitava, consciente. Mas aquele sabor único, do ar fresco da manhã, daquele chilrear autêntico e incessante da passarada, a anunciar o dia, a animação do meu “stop” , um salsicha preto, companheiro inseparável do meu pai e da minha mãe. Num àparte, devo confessar que me servia dele, para fazer um número, digno dum mágico dos bons... Naquela terra, que já citei noutras vezes, Mapulanguene, havia pràticamente só jeeps Land Rover. Ninguém passava para ali com outros carros, por causa das estradas. O nosso VW ficava em Magude, distante cem quilómetros, por causa das “tosses”. Quando estava em casa, sabia sempre, quando o meu pai vinha a chegar, ouvindo apenas o barulho do motor do carro. Todos ficavam intrigados com a façanha, porque ali os barulhos eram todos iguais, a estrada era ali junto à janela, e os carros eram da mesma marca!. E, eu caladinho, bastava-me olhar para o “stop”, sorrateiramente, e se ele abanasse o rabo, era certeiro, só podia ser aquele jeep, o do meu pai! Como é que ele sabia, não me perguntem, mas que me deu imenso gozo passar por mágico, deu! Só mais tarde revelei o segredo. Foi assim que me alegrei e me convenci, com a ideia de estar afastado da cidade, durante uns tempos.

O sabor do primeiro dia...

Estafados da viagem, adormecemos ràpidamente. Eram sete horas, quando a minha mãe me acordou, como só ela sabe. Disse-me com aquela voz de mãe:
- Olha o sol, Henrique, como está bonito hoje. Tens a água quente na banheira, não a deixes esfriar, vou fazer ovos mexidos com cebola e chouriço, o pão veio agora do forno, não te atrazes.
Depois do beijinho, eu não resisti. Aliás, não há preguiça nenhuma que resista nestas circunstâncias! Assim, o dia começava, também, com a alegria do “stop”, que não cabia em si de contente por me vêr ali, à mão de semear. Eram as saudades, e como ele se manifestava. Sem nenhuma viagem programada, queria visitar a aldeia, os meus amigos, enfim matar as saudades que tinha desta gente boa, que no interior de áfrica, ali tão distante duma simples modernidade, trabalhava para o seu sustento, mas também para o desenvolvimento do país, numa actividade tão anónima, quanto valiosa, e que se calhar nem a história contemplará, com mais de duas ou três palavras. Fui até á escola, pois a casa do mestre estava a ela agregada, cumprimentar o professor Faria, meu companheiro de caçadas e dos petiscos de férias, e a esposa a D. Alzira, que apesar de não terem filhos, tinha sempre à sua volta, não sei quantos meninos da escola, que aproveitavam a sua bondade e disponibilidade, para usufruirem dum estatuto filial bem notório. Uma hora e picos, numa conversa a pôr o noticiário em dia, que eles queriam saber novidades da civilização. Sobretudo de cinema, o que havia de novo para vêr, que músicas se haviam estreado e, mais isto e aquilo, num repositório próprio, para quem está a duzentos e tal quilómetros de maus caminhos, da civilização. Falaram-me depois, da grande novidade para aquelas terras, pois a trinta quilómetros dali, na missão de Santa Quitéria, o Senhor Bispo vinha às festas da Missão, e ao Crisma de centenas de jovens. Fiquei a saber que todas as senhoras estavam convocadas para contribuirem com pratos tradicionais, bolos da especialidade de cada uma, e também, naturalmente, daquelas doçarias que tanto nos fazem água na boca: os arroz doces, as fatias douradas, os pudins... é melhor parar por aqui... Fui depois ao posto administrativo onde o chefe Leonor (como me divertia este sobrenome...) me recebeu de braços abertos, pois apesar de ser sportinguista e eu benfiquista, nós portávamo-nos bem... A esposa a D. Luisa, convidou-me logo para almoçar, num dos dias seguintes. Sugeri logo o coelho à caçadora, que ela fazia tão bem. O “filhote”, Rui, já crescidito, com cinco anos, andava por ali nas diabruras bravas, segundo a mãe, porque ele era bravo, saía ao pai... Coisas de mães, digo eu... Chegada a hora, voltei a casa, para o almoço de sempre, quando se regressava da cidade, peixe fresco, no caso – garoupa no forno, com todos! No mato o peixe que se trás fresco, tem de ser consumido logo, para não perder as qualidades, só o bacalhau sobrevivia a esta regra. Como sempre, aquelas mãos divinas da minha mãe, tinham feito um pitéu maravilhoso.Antes, o caldo verde, de sabor e aroma próprios, que o meu pai “inundava” de azeite cru, com o chouriço adequado, foi um grande complemento, e uma principesca preparação para o que se lhe seguia. Estava no meu mundo, na minha casa, a usufruir dos mimos da mãe, que bom que era. Imaginem só terminar o almoço, com uma suculenta manga, colhida naquela manhã, comida à maneira africana, rasgando com os dentes a casca, e chupando o caroço até ficar com os fios brancos. Que maravilha. Fiquei sonolento e dormi uma sesta até ás três horas. Fui continuar a minha visita, agora na zona das cantinas, mais além, um pouco separada destas casas, talvez quinhentos metros. Como que se demarcando para uma zona comercial. Fui vêr a “burra”, bicicleta para nos entendermos melhor, enchi os pneus e pus-me a caminho, com o stop todo contente. A primeira cantina (casa comercial) era a do Varagilal, “velho” amigo, que me recebeu de braços abertos. Ali, como sempre, faziam-se os negócios habituais. Trocava-se uma lata de milho, por não sei quantas capulanas, ou sal, ou mafurra (óleo de amendoim), ou ainda se trocavam galinhas por sal, ou latas ou sacas de amendoim por mercadorias diversas. O dinheiro ali, só pràticamente quando os “magaíças” voltavam do Jonh. (magaíças-mineiros moçambicanos que iam para Johannesburg ganhar a vida). A minha mãe, por exemplo, “comprava”, um frango por uma lata de sal, o que irritava um pouco os cantineiros porque a bitola era um pouquito maior. De referir que o povo preferia esta troca simples, do que usar dinheiro, que gastavam quase sem critério. Passei pela seguinte, a do Hamid e a alegria do cumprimento foi a mesma. Nem nunca me passaria pela cabeça visitar um, sem o outro. Era o fim do mundo. O mesmo ambiente, com as mesmas regras, também na seguinte e última a do sr. Silva, amigão do meu pai, que mais tarde viria a ser meu compadre, pois fui padrinho da sua filha Margarida. Faltava o posto de enfermagem, mas o enfermeiro estava de viagem, ficaria para outro dia. Estava visitada a aldeia, uma aldeiazita, nos confins do mato, a sudeste de Moçambique, ali juntinho ao Kruger Park, que nós visitávamos com regularidade. Regressei a casa quase ao pôr do sol, o “stop”, que ia à minha frente, a cheirar todos os territórios marcados pelos seus iguais, e a remarcar alguns, ou a baralhar e dar de novo, sei lá, parou sùbitamente, espreitando uma perdiz descuidada. Só por uns momentos, porque ela depressa colocou os pontos nos iii, encetando um voo baixo, mas suficientemente rápido, para não dar azo a diabruras, dum cãozinho de sala... O susto que apanhei, pelo inesperado, fez-me olhar para o poente, onde se formava um pôr do sol, daqueles que fazem parte, do mistério de áfrica. É que à medida que a luz do sol vai diminuindo, o espectáculo dos raios de sol desmaiados, é acompanhado por sons cada vez mais marcantes. É a vida nocturna que reaparece no seu ciclo diário, e é a despedida do dia, generoso no calôr e na luz. É o acautelar dos perigos da caça leonina. Nesta áfrica misteriosa, esta fronteira dia-noite, é também, o sinal para o início da outra face, dum outro ciclo, o da sobrevivência. A morte de uns dará a vida a outros, e nos sons, escutam-se gemidos de mêdo, gritos de triunfo, avisos aflitivos. Nestes dramas, encenados pela natureza africana, estreiam diàriamente, espectáculos de ópera dramática, alegre e até de ópera “bufa”, só que com orquestras e vozes que soltam notas para uma melodia única, que só áfrica tem. Tudo me ocorreu com o presenciar deste ocaso pintado por Deus, nesta áfrica tantas vezes humanamente sofrida.

17 Comments:

Blogger A .Carlos said...

Olá amigo,
sempre o bom recordar da minha juventude, ao ler os teus belos textos, que me levam a Angola, onde vivi uns anos e á Guiné onde quase nasci, adoro vir ler-te!!!!

Abraços e um bom fim de semana

9:43 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Olá, Henrique!
Belissimo relato que nso fazes!
Recordar é também viver!
Um grande abraço,

11:53 da tarde  
Blogger Era uma vez um Girassol said...

Olá Ricky!
Deus manda: dá mãe a muitos, mas tira-a de outros...Estou neste segundo caso, mas mesmo assim gostei imenso da tua prosa, relatando todos esses mimos de mãe, que hoje faço às minhas filhas quando estou perto delas!
Sempre sensível, sempre coração...
Bjinho

11:34 da manhã  
Blogger Manel do Montado said...

Quis o destino (felizmente) que tivesse vivido na mesma África em que viveste, na mesma Moçambique.
Ler-te é reviver minuto a minuto o cheiro da terra avermelhada, o prrrrrrrrr do voo inicial e rápido da perdiz, o regregreg da corrente da "burra"...espectáculo literário em forma de narrativa de vida.
Amigo, escrever é isto quando se escreve com a alma, é esta imensa capacidade de nos colocar no cenário e fazer sentir e viver episódios próprios com as palavras dos outros.
Um abraço daqueles…chamuar!

9:46 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

A mestria das palavras ... magnifico repleto de memórias :) Beijinhos

11:56 da manhã  
Blogger Isabel Filipe said...

Menino...
visito..visito...
venho aqui todos os dias...não tive ainda foi tempo para ler um Post tão comprido...

tenho de voltar para ler, noutra altura...

bj

12:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um beijo e obrigada pelo 'post', IO.

12:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ler o q escreves é um pouco regressar a um pasado mt longinquo.......
Bjs

2:15 da tarde  
Blogger Mikas said...

Ah sweet vacations!! Quem vive em África nunca esquece,por mais que o tempo passe. Boa semana

7:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ricky, Olá!

Ler as tuas memórias é viver África!
É, também, recordar a minha juventude, pois o mato era igual tanto no Sul como no Norte de Moçambique. O meu pai tinha duas machambas de tabaco, algodão e sisal em Iapala, onde passavamos as nossas férias depois de terminarem as aulas em nampula, onde nos encontrávamos com minha mãe.

Obrigada pelo recordar daqueles tempos de muita, muita saudade!

Obrigada também pela visita que fizeste ao blog do professor Paulo e pelo comentário simpático e encorajador ao projecto.

Um beijinho muito grande

8:36 da tarde  
Blogger Fragmentos Betty Martins said...

Olá Kicky

Que cheirinho a café:))

Estas viagens no tempo são de facto maravilhosas! E assim me levas pela mão da escrita - neste encantamento de aromas :)

Obrigada.

Beijinhos

11:54 da tarde  
Blogger Isabel Filipe said...

foi bom ler...
fizeste-me recordar tempos e lugares por onde tb passei.

Bj

10:42 da manhã  
Blogger Era uma vez um Girassol said...

Olá Ricky!
Passei para ver se havia novidades...
Bom FDS!
Bjs

10:54 da manhã  
Blogger Português desiludido said...

Caro Ricky.
Repito o que já disse aqui! È impressionante a forma como nos "transportas" para outros tempos outros sítios
Abr e bfs
Pedro

1:06 da tarde  
Blogger Leonor said...

ola riky.
agora so te leio aos fins de semana.
lá no minho faz um frio de rachar e vou para a cama cedo.
espero desesperadamente pelo verao que me trará para casa.

lindas as fotos que colocas aqui no teu sitio. dos textos nao falo para nao me repetir.

abraço da leonoreta

8:56 da tarde  
Blogger A .Carlos said...

Olá Ricky,
Neste Sábdo friorento, venho desejar-te um bom e quentinho fim de semana,
Abraço
:)

9:37 da tarde  
Blogger Cristina said...

Olá Ricky,
Como é bom recordar os momentos de África, faço-o tantas vezes, não de Angola, mas da África do Sul e de Moçambique
:)
Tem um lindo domingo
beijinhuu

2:08 da manhã  

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