O cinema - conteudo, estética, sala e companhia.... e, pipocas...
Idilio em Setembro
O dia nascera solarento, era sábado e isso aumentava o grau de "felicidade" dum estudante que se preze... No liceu tinha "apenas" Filosofia com o Catarino às onze e... antes as actividades da MP, que no caso dessa altura eram a "Rádio Mocidade" a emitir experimentalmente da Polana..... Não era em FM mas "a gente gramava à brava quando púnhamos no ar uns minutitos seguidos..." Se fosse hoje dir-se-ia "era fixe meu..." Mas este sábado era especial, a João fazia anos, tínhamos almoço volante em sua casa na Sommerchield, e depois íamos para a matinée, e para o Scala, mas sem "cowboyada" do costume, já que iríamos vêr uma comédia: Ídilio em Setembro ( Come Sptember) com o Rock Hudson, Gina Lolobrígida, Sandra Dee e o Bobbie Darin, o tal que cantava a escandalosa(?) (pr'á época, eheheheh) canção "Multiplication" e o Come September, de uma melodia espantosa e um solo de guitarra que me ficou sempre no ouvido... E assim foi, tudo se passava às mil maravilhas, o primeiro beijo tinha ocorrido, estava nas núvens, a aula do Catarino foi um primor, e como ele dizia "... vejam se se conseguem sentar, se sim, veremos em que fase de evolução se encontram, primatas..." 'távamos todos direccionados para o "encontro de amores" e a ansiedade tudo dominava. Depois das aulas apanhámos o dois, ali ao pé do hotel Cardoso e fomos até ao hotel Polana, e depois a pé até à casa da João. Grupo barulhento a manifestar a alegria da vida , qual "bando de pardais à solta" que um dos meus poetas preferidos, imortalizou... E, eu ali ao lado dela sem pais a espreitar, feito namorado a sério, de mãozinhas entrelaçadas, sentindo aquele calor gostoso do corpo de quem se ama, sentir aquele cheiro novo tão esplendoroso, qual perfume premiado em feira de Paris... O almoço foi uma pequena maravilha, os nossos petiscos queridos estavam lá todos , nenhum faltou! Era caril, sarapatel, chacuti, camarão assim camarão assado, carne assim, carne assada, não faltando a galinha à cafreal... os Vimtos, as coca-colas, as laranjadas canada dry, as spur colas, as 2M, as Laurentinas, bem controladinhas, por sinal....Também houve desassossego e tudo, que aquela malta era danadinha para isso, os nomes omito, claro, para não ferir susceptilidades, mas formávamos uma equipa de truz.
Depois deste lauto almoço fomos apanhar o autocarro para a baixa e para o Scala. Quando saimos de casa da João começou a pingar... grosso. O céu a ficar todo negro, vinha aí tempestade tropical... corremos para o autocarro e... lá seguimos já com chuva torrencial.
Chegámos à baixa e estava tudo alagado de água até aos joelhos.
Metade dos degraus da entrada do Scala estava debaixo de água. Que fazer? Fácil, levar as meninas ao colo para não se molharem... toca a tirar os sapatos e as meias, arregaçar as calças e pegar nas meninas... Meu Deus que coisa tão boa pegar ao colo aquela que "a gente namorava", sempre controlada e tão distante... Óh prémio saboroso, que maravilha... Foi o colo mais saboroso que alguma vez dei... Mas que foi um escandalozito, para quem via, foi. Naquela altura, meninos, pegar numa moça ao colo agarrada a nós,mesmo com inundação era.... malicioso. O filme foi a condizer e lá dentro, na escuridão da sala, foi uma tarde de carícias como nunca havíamos tido... ainda me arrepia, como tão pouco, pode fazer tanta felicidade... Depois o temporal fez o resto, os papás vieram buscar as meninas e a aventura terminou.
Mas que foi memorável foi... Gente já lá vão 44 anos, e parece que foi ontem...
Na inocência do acontecimento, a grandiosidade da lembrança.....
RIO BRAVO, bravo!
E, tanto me tenho lembrado das matinées, ali para os lados do Manuel Rodrigues, Gil Vicente, Scala, Variéta (quem se lembra?)... Dependia dos filmes... Pois, algures na Europa, no novo milénio, numa noite de insónias, mesmo com alguma febre, saiu-me na rifa da programação da tv um filme histórico, em vários sentidos: "RIO BRAVO". Um Jonh Waine à maneira, uma Shelley ainda curvilínea, um Dean Martin alcoólico-dependente bem esgalhado, um Ricky Nelson, com a sua voz quente, em contraponto com o Dean, e quase tão bonito como eu era (acreditem...) ( se eu não me gabar quem o fará?), enfim todos os ingredientes para uma direcção do MESTRE, num clássico que permanece na memória de todos. Também o filme me fez recordar a nossa terra, aquelas tardes de "namorico-cinematográfico", aquele pegar na mão que fazia estremecer o coração...
O quebrar duma angústia de semana, enfim o abrir e fechar dum ciclo sempre renovado... Parafraseando a letra da cantiga do filme, e numa adapatação totalmente livre, a minha memória disse-me:
Rejubilava na tua presença,
experimentava o teu calôr,
a tua mão na minha,
entrelaçavam-se,
com sofreguidão e doçura.
Os nossos corações
esses cavalos de corrida,
batiam céleres,
assinalando cada fase,
daquele maravilhoso encontro.
E, nós, de pensamentos
em ebulição contínua,
corriamos um para o outro,
como um rio para o mar,
como as águas revoltas,
do rio Bravo do meu coração!